Diário das pequenas descobertas da vida.
Umas das palavras mais comuns nos dias de hoje e que, como tantas outras, é tão ouvida como incompreendida é «ozono»: fala-se no grave problema do buraco do ozono, fala-se no perigo para a saúde do ozono, preocupam-se as pessoas com a diminuição do ozono atmosférico, emitem-se avisos de segurança pública para a presença de ozono ao nível do solo, a falta de ozono como vítima da poluição, a presença de ozono como agente de poluição...
E o actor principal, a entidade que está na boca do Mundo, permanece um desconhecido cuja aparência para o público em geral é apenas o seu nome.
A dualidade do papel do ozono para a existência humana nasce da sua composição, o bem que faz e o mal que provoca têm paralelo nas de um primo chegado, mais irmão até do que primo, sem a qual a vida é impossível mas do qual a morte terá também nascido.
O seu nome, «ozono», vem do facto de se originar geralmente nas tempestades eléctricas.
Apesar do odor característico que se sente durante e imediatamente após as tempestades não se dever à produção espontânea de ozono, este encontra-se presente. Em 1840, o químico Germano-Suíço,
Christian Friedrich Schönbein, em resultado de algumas experiências suas, descobriu que se produzia um gás cujo odor que lhe lembrava as tempestades. Chamou-lhe «ozono», do grego «ozein» que significa «odor», apesar de ser um gás praticamente inodoro nas concentrações normais com que um ser humano se pode deparar.
Apesar do seu estatuto de «celebridade pública», o «ozono» é uma molécula de aspecto e composição muito simples: é composto de 3 átomos de oxigénio (O
3). O «oxigénio» que respiramos e do qual
quase toda a vida actual depende é constituído por 2 átomos de oxigénio (O
2)
Mas este oxigénio, tão querido e necessário à vida, só surgiu na Terra
após ter surgido a vida e, quando surgiu, provocou uma das maiores (quiçá se não mesmo a maior) extinção de vida na Terra. Os poucos seres que sobreviveram foram os remotos antepassados da maravilhosa diversidade de vida no planeta.
Há mais de 5 mil milhões de anos, formou-se a nuvem de gás (uma nebulosa planetária que seria semelhante à da fotografia) que viria a dar origem ao Sistema Solar e que era os restos mortais de uma estrela que existia aqui, no espaço agora ocupado pelos 8+0,5 planetas.
(Recorde-se que Plutão perdeu o seu estatuto de planeta recentemente, devido ao seu tamanho e à sua origem. Para mais sobre a origem do Sistema Solar ver o artigo
Vertigone tellus, que aborda a razão pela qual há estações do ano)
Quando a Terra se condensou, há 4 mil e 570 milhões de anos, não tinha oxigénio na sua composição. A sua atmosfera seria constituída por Hidrogénio (H) e Hélio (He), os elementos que constituem 98% de todos os elementos do Universo.
Aos poucos, devido às erupções vulcânicas e aos cometas que com ela chocavam, novos gases foram sendo adicionados mas
não oxigénio.
Há 4 mil mihões de anos surgiu, da imensa quantidade de substâncias que flutuava no oceano primordial, uma molécula capaz de produzir cópias de si mesma utilizando outras moléculas à sua volta. Essa primeira molécula produziu 1 cópia sua, as 2 produziram 4 cópias, as 4 produziram 8 cópias, as 8 16, as 16 32,... Rapidamente consumiram as restantes moléculas e passaram a consumir-se umas às outras.
(Para outro exemplo de como algo que se multiplica inicialmente tão lentamente assume proporções enomes ver o artigo
esTepes, que mostra matematicamente como
não pode haver vampiros)
A intensa competição e a intensa radiação desse início da vida levou ao aparecimento de várias moléculas auto-replicadoras, com diferentes características. As que tinham características que lhes davam alguma vantagem foram sobrevivendo e deixando descendentes. Nessa altura, há 2 mil e 700 milhões de anos, surgiram micróbios (chamados cianobactérias devido à sua cor azul - «ciano») que usavam dióxido de carbono, água e raios solares para produzirem o seu alimento. O sub-produto,
extremamente tóxico para a vida que existia na altura, era o nosso conhecido
oxigénio.
O oxigénio é um gás extramamente reactivo, que provoca o desgaste dos materiais com que entra em contacto (é só ver o seu efeito numa peça de metal enferrujada ou numa
maçã cortada e exposta ao ar). Os tecidos vivos não são excepção. Com o aumento substancial do oxigénio (até aos 21% actuais), muitos desses primeiros micróbios foram exterminados, incapazes de aguentar os estragos que o oxigénio lhes provocava.
Mas onde alguns perecem outros aproveitam. Por uma feliz coincidência, fruto do exponencial crescimento dos micróbios, um deles surgiu capaz de utilizar o oxigénio para produzir energia. Um outro tinha uma parede protectora mas não conseguia usar o oxigénio. Ambos os micro-organismos tinham o seu próprio ADN, as suas características que lhes permitiam sobreviver nese mundo hostil à vida
poluído por oxigénio.
Mas um acontecimento transformou-os de simples sobreviventes no jogo da vida a vencedores incontestados (mas não únicos) da vida: por algum processo desconhecido uniram-se, o motor de oxigénio envolto pela parede protectora. Nasceu a vida como a conhecemos e nós descendemos dessas duas minúsculas entidades que um dia se uniram e conquistaram o mundo.
Ainda hoje eles coexistem em nós, cada um individual e com o seu próprio ADN.
As células do nosso corpo descendem directamente da parede protectora inicial, mais e mais complexa à medida que decorriam os milhões de anos. O motor de oxigénio sofreu menos evolução e é a
mitocôndria, o organelo existente em cada uma das nossas células e que é responsável pela produção de energia, «queimando» os alimentos que ingerimos com o oxigénio que respiramos.
De cada vez que uma célula se multiplica, duplica o seu ADN e o ADN das mitocôndrias para produzir novas células. O ADN principal é muito complexo (a conhecida dupla hélice) mas o ADN mitocondrial é muito simples e é um mero anel de nucleótidos. A função do ADN principal é conter a informação toda necessária à criação e funcionamento do corpo. A função do ADN mitocondrial é... fazer outra mitocôndria.
(Ver o artigo
Sinto saudades da minha avó para uma imagem e mais sobre o ADN mitocondrial).
A vantagem do novo ser híbrido era o facto de utilizar o altamente-energético oxigénio.
A desvantagem é que, para ser mais energético, sacrificou a sua imortalidade:
com o consumo de oxigénio, este passou a ser levado até ao interior sensível da célula e os sub-produtos da produção de energia usando o oxigénio eram ainda mais reactivos do que este: os chamados
radicais livres (assim chamados porque são moléculas que têm uma ponta solta, um radical, que reage livre e facilmente com outras substâncias). Gradualmente as células foram produzindo mecanismos de reparação dos danos que o oxigénio e os radicais livres lhes provocavam mas o mecanismo de reparação nunca funciona a 100% e cogita-se que uma das razões pelas quais envelhecemos é pela acumulação de danos mal-reparados feitos nas células pelos radicais livres...
Um forma de ajudarmos o nosso sistema de reparação e prolongar, pelo menos, a nossa qualidade de vida é ingerindo alimentos com vitamina C, uma vez que esta é anti-oxidante e neutraliza os radicais livres do nosso corpo. A vitamina C pode ser encontrada (por ordem decrescente):
na
acerola (0,72 g de vitamina C por 100 gramas do fruto), na
amora (0,2 g em cada 100), nos
pimentos-não-picantes (0,19g), na
salsa (0,13g), no
kiwi (0,09g), nos
bróculos (0,09g), nas
couves-de-bruxelas (0,08g), nos
diospiros (0,06g), na
papaia (0,06g), nos
morangos (0,06g), na
laranja (0,05g), no
limão(0,04g) e em outros frutos, em quantidades cada vez menores.
Em fontes animais, o
fígado é o maior fornecedor de vitamina C (entre 0,036g e 0,011g), as
ostras (0,03g), o leite humano (0,004g) e o leite-fresco-bovino (0,002g).
Quem diria que uma amora tem 4 vezes mais vitamina C do que uma laranja?
A maior fonte natural de vitamina C que se conhece é o fruto de uma planta australiana, de nome Terminalia ferdinandiana, que tem 3,15 g de vitamina C por cada 100 gramas de fruto.Mas, se a
poluição de oxigénio provocou a extinção em massa de muitos dos micro-organismos existentes na altura, teve uma consequência para nós muito feliz.
As moléculas de oxigénio (O
2), na alta atmosfera e expostos à mortífera radiação solar, absorviam os assassinos-da-vida raios ultra-violeta e transformavam-se em O
3, o ozono. Sempre que uma molécula de O
2 é atingido por um raio ultra-violeta, absorve a sua energia, usa-a para se combinar com mais oxigénio e produzir O
3.
(Para mais sobre os ultra-violetas ver:
~
Solares ambusti sobre os raios ultra-violeta e a pele;
~
Lux mundi sobre os raios ultra-violeta e luz;
~
Loqui longinquitate sobre as micro-ondas e os raios ultra-violeta;
Dessa forma os micro-orgnismos que sobreviveram à
chacina do oxigénio passaram a estar protegidos dos raios ultra-violeta e puderam tornar-se mais complexos, sem o perigo de serem desfeitos por essa perigosa radiação. Assim puderam surgir os organismos multi-celulares, assim estes puderam sair do oceano e colonizar a terra (primeiro os insectos, em particular um antepassado dos escorpiões, e mais tarde as plantas). O planeta Terra passou a estar protegido por um escudo de ozono que permitiu que a vida se desenvolvesse.
Uma outra consequência feliz do aparecimento do ozono na atmosfera foi a lindíssima cor azul do nosso céu: é essa a cor do gás ozono.
Mas o oxigénio é altamente reactivo e o ozono é mais ainda. O ozono na alta atmosfera que nos protege é produzido naturalmente pela interacção do oxigénio e dos raios ultra-violeta (e destruída mais rapidamente do que surge pelos CFC's, como visto em
Esburacar o frio)
Devido à poluição das grandes cidades há a libertação de óxidos nitrosos (dos tubos de escape dos veículos a gasolina e das centrais de energia que funcionam com combustíveis fósseis) e compostos orgânicos voláteis (como os libertados pela gasolina, pesticidas,...)
Estes compostos são muito reactivos e têm, na sua composição, oxigénio. Quando em contacto com os raios ultra-violeta que passam o escudo de ozono troposférico, dissociam-se e os átomos de oxigénio agrupam-se em ozono.
Apesar de a sua produção ser benéfica, por absorver a energia dos raios ultra-violeta mais perigosos, a sua presença ao nível do solo é prejudicial à saúde, devido à grande reactividade do ozono e dos compostos que lhe dão origem.
Todos combinados formam um tipo diferente de
smog, o «smog fotoquímico» («foto» -luz + químico por ser a luz, especificamente os raios ultra-violeta, que desencadeia as reacções químicas quie produzem o ozono ao nível do solo), principal poluente das zonas urbanas actualmente. Inicialmente o «smog» (palavra composta por «smoke» -fumo e «fog» -nevoeiro) era consequência da queima de carvão da Primeira Revolução Industrial. Hoje em dia, é o «smog» fotoquímico, formado por óxidos nitrosos, compostos orgânicos voláteis e ozono, que é a principal poluição atmosférica das grandes cidades (e que forma nuvens de cor creme nos céus urbanos).
As crianças, idosos e pessoas com problemas cardíacos e respiratórios (como enfisemas, bronquites e asma) são especialmente afectados pelo ozono ao nível do solo. Este pode inflamar as vias respiratórias, diminuindo a capacidade respiratória dos pulmões e provocando faltas de ar, dor aos inspirar e tosse. Pode ainda causar irritação nos olhos e nariz, secura da membrana protectora do nariz e garganta e interferir com a resposta imunitária do organismo às infecções, tornando as pessoas mais susceptíveis a doenças. Hospitalizações e mortes por problemas respiratórios aumentam significativamente quando os níveis de ozono são elevados (ao nível do solo, claro. A camada de ozono situa-se na estratosfera, entre 10 e 50 quilómetros de altitude).
Em Portugal ainda não é comum, mas em países mais industrializados, em que o smog fotoquímico é um problema sério, é já comum emitirem-se avisos de segurança pública alertando para a presença de concentrações elevadas de ozono desenvolvido pela poluição e por dias mais quentes (em que a emissão de raios ultra-violeta é mais sentida).
Pode ser um sinal positivo, saber que ainda não há poluição de ozono significativa em Portugal. Ou pode ser um sinal negativo, saber que as autoridades ainda não estarão alertadas suficientemente para esta questão.
Eu espero que seja a primeira hipótese mas geralmente costuma ser a segunda...
Vivemos assim um estranho paradoxo: o que nos dá vida é também o que nos mais cedo nos entrega ao abraço imortal de Morfeu...É claro, em relação às fontes de vitamina C, que a amora tem 4 vezes mais do que a laranja por cada 100 gramas. Ou seja, 100 gramas de amoras tem tanta vitamina C como 400 gramas de laranjas. Claro que uma só laranja tem mais vitamina C do que um só amora...
Relevante também é a questão do limite máximo absorvível de vitamina C pelo organismo humano. Não há consenso sobre o máximo de vitamina C que se pode tomar nem qual o valor óptimo. A quantidade ideal é fruto de debate na comunidade científica: há quem recomende entre 6 gramas e 18 gramas diárias, há quem recomende 3 gramas, há quem recomende 0,3 gramas. Certo é que a quantidade necessária de vitamina C depende do físico de quem a toma (quanto mais volumosa for mais quantidade necessita) e também de circunstâncias particulares (mulheres grávidas devem tomar mais, pessoas com gripes mais também). Acima de aproximadamente 200 gramas por dia, a vitamina C provoca diarreia, que cessa assim que se pára a ingestão de vitamina C.</i>