Diário das pequenas descobertas da vida.
Qual é a forma de uma nuvem? Qual é a forma de uma montanha? Qual é a forma de uma árvore? Qual é a forma de um rio?
As formas dos objectos no mundo são geralmente pensadas em termos das figuras geométricas clássicas (círculos, triângulos, quadrados, esferas, cubos,...).
Mas nada no Mundo tem a perfeição dessas figuras (e poucas são as que a parecem ter).
Os seres humanos apreciam bastante essas formas e é das suas mãos que geralmente surgem objectos com essas formas (mas apenas aproximadamente, mesmo que isso não seja visível a olho nu).
O mundo definitavamente
não se apresenta visualmente como geométrico e é apenas a mente humana que as apercebe na realidade que a rodeia como aproximações desses ideais platónicos.
Mas se assim é, qual será a verdadeira forma das coisas no mundo?
Terá a Matemática (como única lente correcta para a observação do mundo) explicações e descrições para a forma como as coisas realmente se apresentam no mundo (e menos como «nós» gostaríamos de as ver)?
O mundo é um poço de surpresas mas o ser humano tem conseguido (nestes 5 milhões de anos desde que surgiram os hominídeos e nos 150 mil anos desde que surgiu o
Homo Sapiens) permanentemente alargado a sua consciência, a sua cultura e o seu conhecimento de forma a compreender mais e mais a infinita complexidade do mundo no qual nasceu e no qual foi moldado (uma complexidade que se espelha no próprio cérebro humano que a procura entender).
Nos anos 70 do século XX a espécie humana deu mais um dos decisivos passos na percepção do mundo tangível. Nessa década o matemático francês Benoit Mandelbrot estudou umas estranhas formas matemáticas que eram há muito conhecidas pelos matemáticas como «curvas monstruosas», figuras como a curva com 1 dimensão que ocupava completamente o plano de 2 dimensões. Mas a ninguém tinha ocorrido que essas «curvas monstruosas» eram a chave para a representação do mundo real.
Mandelbrot estudou essas estranhas formas como um todo, deu-lhes o nome de «fractais» e estudou as suas propriedades, propriedades que apenas se tornaram possíveis de estudar com o advento dos computadores (e especialmente dos computadores pessoais).
Um fractal é uma figura geométrica que tem:
~ uma dimensão que não é inteira (enquanto as figuras geométricas clássicas têm dimensão 2 ou 3 os fractais têm dimensões como 1,123);
~ têm uma infinita complexidade (por muito que se façam ampliações a figura é sempre intrincada e cheia de pormenores);
~ apesar da sua complexidade são contruídos usando regras muito simples.
Geralmente também os fractais têm auto-semelhança a um grau infinito, isto é, pequenas partes da figura são iguais ao todo.
~
Como assim «têm dimensões que não são inteiras»? Como pode uma figura que se desenha num papel que tem 2 dimensões ter uma dimensão diferente de 2?Apesar de os fractais terem dimensões não inteiras, a sua dimensão é sempre inferior à do espaço que ocupa (um fractal desenhado numa folha de papel tem uma dimensão menor do que 2, um fractal numa escultura tem uma dimensão menos do que 3).
Mas como se calcula essa dimensão?
Para isso é necessário um conceito muito simples (e largamente usado antes do surgimento dos computadores) para o cálculo de multiplicações com grandes números: os
logaritmos.
O logaritmo é a função inversa exponenciação (tal como a subtracção é a função inversa da soma, a divisão da mutltiplicação).
Quando se eleva 2 ao cubo (2x2x2) obtém-se 8.
Quando se eleva 4 a cinco (4x4x4x4x4) obtém-se 1024.
Então, o número que elevado a 3 dá 8 é
2 (o logaritmo de base 2 de 8 é 3); o número que elevado a 5 dá 1024 é
4 (o logaritmo de base 4 de 1024 é 5).
Qual é o logaritmo de base 9 de 81? (como 9 elevado a 2 dá 81, o logaritmo de base 9 de 81 é 2).
Para estudar a dimensão destas estranhas formas a que se dá o nome de «fractais» usa-se o que é designado por
Dimensão de Hausdorff-Besicovich.
Este processo de cálculo envolve primeiro determinar o tamanho do objecto depois de se efectuar um dado aumento. Faz-se então a divisão entre o logaritmo (não interessa a base) do novo tamanho e o logaritmo (com a mesma base do anterior) do factor de aumento.
e.g.~ Imagine-se um segmento de recta.
Se se aumentar 2 vezes o segmento de recta este fica com o dobro de comprimento (cabem 2 segmentos com a dimensão original no novo segmento).
A dimensão é então log 2 / log 2 = 1~ Imagine-se um quadrado.
Se se aumentar 2 vezes o quadrado este fica com o quádruplo do tamanho (cabem 4 quadrados com a dimensão original no novo quadrado).
A dimensão é então log 4 / log 2 = 2 ~ Imagine-se um cubo.
Se se aumentar 2 vezes o quadrado este fica com o óctuplo do tamanho (cabem 8 cubo com a dimensão original no novo cubo).
A dimensão é então log 8 / log 2 = 3Uma nota para explicar estes log sem base que aqui se apresenta na fórmula:
devido ao seu constante uso em Matemática, subentende-se que log é o logaritmo de base 10. Outros logaritmos têm de ter a base indicada (log 2, log45, ...)Quando se aplica esta fórmula aos fractais descobre-se que os valores
não são inteiros. Veja-se a aplicação da
dimensão de Hausdorff-Besicovich a um dos fractais mais simples: a
Curva de Köch ou
Floco de Neve.
Para a sua contrução comece-se por um triângulo equilátero. Junte-se depois a meio de cada lado um triângulo equilátero que tem de lado um terço (1/3) do anterior. Em cada um dos 3 triângulos mais pequenos junte-se um triângulo um terço mais pequeno. Repete-se indefinidamente o processo.
Obtém-se uma figura com uma área finita (é sempre inferior à circunferência que o circunscreve) e um comprimento infinito.
Como se vê esta figura tem todas as características de um fractal:
~ Cada figura seguinte é igual à anterior com a junção de triângulos que são 1/3 maiores.
Assim a cada passo obtém-se um figura que é 4/3 maior do que a anterior.
(Se cada lado for dividido em 3 partes, o triângulo que se lhe junta é constituido por 2 dessas partes. Cada lado passa a ter 1/3+1/3+1/3+1/3 = 4/3 de comprimento.)
Então a Curva de Koch tem dimensão log 4 / log 3 = 1,26185950714291487419905422868552...
~ não é difícil de visualizar que cada pequena parte da
Curva de Koch é uma reprodução da figura maior, situação que se repete infinitamente.
~ A construção da curva é muito simples: pega-se num triângulo, calcula-se 1/3 e coloca-se no meio do triângulo anterior, repete-se indefinidamente.
~ A curva tem um grau de pormenor infinito: por mais que se amplie a figura, há sempre igual nível de detalhe.
Um outro fractal de simples construção é o
Triângulo de Sierpinski.
Pegue-se num triângulo equilátero. Retire-se o triângulo que mede 1/3 do original.
Para os triângulos restantes repete-se. Obtém-se um fractal que tem comprimento infinito e área nula!
Os belos fractais que se apresentam acima têm uma construção igualmente simples (uma única e pequena fórmula) que é aplicada indefinidamente. O resultado é cada um dos fractais que se apresentam (a que é adicionada cor, em função do tipo de resultado que cada aplicação da fórmula produz).
O fractal mais conhecido é o
Conjunto de Mandelbrot, por ter sido descoberto pelo criador da Teoria dos Fractais, Benoit Mandelbrot.
Para a construção deste fractal começa-se por usar o ponto de coordenadas (0, 0).
(na verdade usa-se o número complexo 0 + 0i, mas este é geometricamente igual).
Em seguida aplica-se a fórmula z
n+1 = z
n2 + C.
Se o ponto a que se aplica a fórmula produz continuamente números maiores, o ponto é representado com uma cor, dependente da «velocidade» a que os pontos crescem.
Se o ponto produz números pouco maiores do que si mesmo, é representado a preto.
O resultado de se aplicar continuamente esta pequena fórmula é o belo, intrincado e infinitamente complexo fractal de Mandelbrot, que possui igualmente a infinita complexidade, a simplicidade de construção, a dimensão fractal e a auto-semelhança.
É dessa forma que as formas aparentemente impossíveis de complexidade do mundo orgânico (e não só) podem surgir de princípios muito simples.
Não é difícil de visualizar, nos fractais apresentados acima, formas biológicas como folhas ou animais microscópicos. A representação fractal faz hoje parte das simulações por computador de cadeias de montanhas, com uma verosimilhança altamente sofisticada.