Muitas são as razões pelas quais o nome de um país circula pelo Mundo e geralmente procura ter uma boa reputação no palco mundial. O adjectivo «bom», subjectivo como é, pode ser interpretado de formas diferentes por pessoas diferentes. Um país militarista com armas nucleares poderá ser visto como «mau» pela generalidade das pessoas e em especial pelos seus vizinhos mas, na sua visão, será algo positivo ser visto internacionalmente como um país a recear. Alguns procuram alcançar um lugar no palco mundial realçando o seu glorioso passado, outros através do poder bélico, através das influências políticas, através do número de medalhas desportivas ganhas... Eis algo em que Portugal não é excepção: procura o seu lugar ao Sol internacional mas o seu passado é ignorado por muitos e a sua pequenez presente pode torná-lo uma mera curiosidade nalgum Atlas geográfico.
O termo Atlas, referindo-se a uma colecção de cartas geográficas, deve o seu nome a um lendário Rei Atlas, da Mauritânia, conhecido, de acordo com o grego do século IV AC Eumero, por ser um grande Filósofo, Matemático e Astrónomo. Quando, em 1595, Gerardus Mercator (1512-1594), cartógrafo flamengo (parte da actual Bélgica), reuniu uma colecção de mapas num mesmo livro, deu-lhe o nome de «Atlas, Sive Cosmographicae Meditationes De Fabrica Mundi» (Atlas, ou Descrição do Universo). O Atlas a que se referia era o mitológico Rei Atlas, da Mauritânia, e não ao também mítico Titã Atlas, irmão do Prometeu. Atlas, de acordo com a mitologia clássica grega, sustinha o peso do Céu, pelo que a representação comum de Atlas a carregar o mundo às costas é uma incorrecção. No Norte de África, a atravessar Marrocos, Argélia e Tunísia, há uma cordilheira montanhosa chamada Montanhas Atlas. Deve o seu nome ao famoso Rei da região e não ao malogrado Titã. Para mais sobre Prometeu e Epimeteu (ambos irmãos do Titã Atlas) ver Pandora; para mais sobre a origem do nome África (e dos outros continentes), ver Magnus Tellus.
Bem podem os portugueses se exaltar quando o seu decisivo papel como país que iniciou os Descobrimentos e deu início à primeira Globalização é esquecido; discutir acaloradamente quem foi o maior português de sempre (o resultado da «auscultação» popular deu um vergonhoso resultado que revela bem como a memória das pessoas é curta e, mesmo após décadas, como uma propaganda, repetida até à exaustão; pode ainda lavar mentalidades...), podem abespinhar-se perante o número de medalhas ganhas nos Jogos Olímpicos (é de realçar que há 192 países no Mundo; destes todos participaram nos Jogos Olímpicos; mais 13 territórios, como Hong Kong ou a Formosa ou as Ilhas Cook participaram; no total, 205 equipas olímpicas participaram nos J.O. de Pequim; das 205 Delegações Olímpicas apenas 87 (42%) levaram alguma medalha; mais países ganharam apenas 1 medalha (19) do que 2 medalhas (12). Portugal ficou em 46.º lugar (quadragésimo sexto) em termos de medalhas ganhas (2). O Brasil em 23.º (vigésimo terceiro) em termos de medalhas ganhas (17). Ficar na metade que ganhou efectivamente medalhas parece que é ainda pior, para alguns, do que ficar na metade que nada ganhou...); pode ficar terrivelmente emocionado quando a selecção nacional de futebol marca algum golo (e desconsiderá-la quando perde algum jogo).
Mas a verdade é que não é nenhuma destas razões que coloca mais vezes o nome de Portugal nas bocas do mundo. Tal honra deve-se a um simples fruto, a mui humilde laranja. Mas que possível ligação pode ter esse fruto com o nosso pequeno rectângulo geográfico (mais as suas 11 principais ilhas)? Portugal não é o maior produtor de laranjas do mundo (nem há registos históricos de alguma vez o ter sido). O maior produtor mundial de laranjas é o Brasil (cerca de 18 milhões de toneladas anuais); segue-se os EUA (8 milhões e 500 mil toneladas) e depois o México (4 milhões). Mesmo a Espanha, nossa vizinha geográfica, produz apenas 2 milhões e 500 mil toneladas anuais, o que é cerca de noves vezes inferior ao Brasil.
Para desvendar esse mistério, analisemos primeiro o que é ao certo uma «laranja». Originária do Sudoeste Asiático, a Laranja terá surgido pelo cruzamento entre o Pomelo e a Tangerina. Há dois tipos de laranjas, a «laranja doce» (Citrus sinensis) e a «laranja amarga» (Citrus aurantium). A primeira a chegar, vinda da China, ao Médio Oriente, nomeadamente à Pérsia, foi a «laranja amarga» (C. aurantium). Essa variedade de laranja (amarga) ainda hoje é conhecida como «maçã chinesa» (e.g., «apfelsine», em Alemão) e é muito usada na perfumaria e na produção de compotas. Foi essa a primeira laranja a chegar à Europa, quando foi introduzida, em Itália, no século XI, vinda da Pérsia. Até que, no século XV, os portugueses chegaram à Índia e trouxeram uma outra variedade de laranjas. Estas eram doces e mais do agrado do paladar da maioria das pessoas. Ao longo das rotas marítimas, os navegadores portugueses plantaram laranjeiras, como forma de combaterem o escorbuto (doença provocada pela falta de vitamina C no organismo). Durante séculos, a principal fonte de importação das laranjas doces era Portugal (e as suas colónias). De tal forma que, em muitas línguas, Portugal passou a ser sinónimo de laranja (doce):
~ Árabe: al-Burtuqal «البرتقال»
~ Búlgaro: Portokal «портокал»;
~ Etíope: Birtukan «birtukan»;
~ Georgiano: Phortokhali «ფორთოხალი»;
~ Grego: Portokali «πορτοκάλι»;
~ Italiano (alguns dialectos): Portogallo ou Purtualle «Portogallo»;
~ Persa: Porteghal «پرتقال»
~ Romeno: Portocala «Portocală»;
~ Turco: Portakal «Portakal».
No livro de Ficção-Científica «Dune», de Frank Herbert, fortemente influenciado pela cultura, modo de vida e língua árabes, é dado o nome de «Portyguls» às laranjas.
Como é natural, em português o fruto não se chama Portugal, é «laranja». Esta palavra deriva do Sânscrito (antiga língua indiana de moderno uso religioso) «nāraṅgaḥ». Daqui derivou o persa «nārang», que deu origem ao árabe «nāranj», de onde veio o «laranja» português, «naranja» espanhol e «arancia» italiano. Não temos um nome distintivo para as laranjas amargas e para as laranjas doces, enquanto que, para os árabes, «nāranj» é a laranja-amarga» e «al-Burtuqal» é a laranja-doce.
Para a origem persa de Xadrez, Xeque-mate e Xeque, ver O Rei vai manco
Da laranja veio também o nome para a cor. A cor, claro, não foi inventada apenas nessa altura, sempre existiu. Mas apenas quando os Europeus tiveram acesso às laranjas é que a cor que anteriormente designavam por algo como «amarelo-vermelho» passou a ter a designação do fruto com essa cor.
É uma fruta que modernamente se associa à Vitamina C e ao combate às Gripes e Constipações. No entanto, como foi visto em O-zono de Morfeu, a laranja não é a fruta com maior percentagem de Vitamina C. A acerola (0,72%), a amora (0,2%), os pimentos (0,19%), a salsa (0,13), o kiwi (0,09%), os brócolos (0,09%), couves-de-bruxelas (0,08%), dióspiros (0,08%), papaia (0,08%), morangos (0,08%) têm mais Vitamina C do que a laranja (0,05%) e do que o limão (0,04%). Por exemplo, um quilograma de amoras tem 2 gramas de Vitamina C, enquanto um quilograma de laranjas tem apenas 0,5 gramas! Além disso, não há qualquer ligação cientificamente estabelecida entre a Vitamina C e o combate às gripes e constipações por «reforço imunitário». No artigo Influências astrais, viu-se que as causas das gripes e das constipações nada têm a ver com os ditos populares de que são «causadas» pelo frio ou pela chuva. Esse é um mito do século 18, que se propagou naturalmente, sem fundamentos válidos. Tanto se repete e repetiu que parece «verdade» mas não é.
Da próxima vez que se ouvir a expressão «laranja mecânica», como referência à selecção de futebol da Nederlândia, vulgo «Países Baixos» ou o extremamente incorrecto «Holanda» (em Novas e Demónios há a explicação), pense-se que, para muitos países do mundo (entre eles vários apreciadores de futebol), Portugal é a verdadeira selecção LARANJA!
«Clockwork Orange» (Laranja mecânica) é o título de um livro do escritor inglês Anthony Burgess, datado de 1962, que relata a vida de um grupo de jovens marginais inglesas que praticam crimes nas ruas de Londres. O livro deu origem a um filme com o mesmo nome, realizado por Stanley Kubrick, em 1971. Devido ao facto de a cor predominante da selecção da Nederlândia ser laranja, alguém achou engraçado fazer essa referência e a moda pegou...