Diário das pequenas descobertas da vida.
Domingo, 22 de Maio de 2005
Alea jacta est

Atenção Alguns erros que se cometem no uso da Língua portuguesa prendem-se por vezes com o desconhecimento dos contextos correctos de aplicação das palavras (a crescente confusão na aplicação de «derivado» e «devido» é somente um dos mais ouvidos).

 

Ouve-se por vezes poucas probabilidades de isso acontecer ,   o que é uma aplicação incorrecta do termo probabilidade e mostra simplesmente a ignorância do seu significado, confundindo «probabilidade» com «possibilidade». O correcto é dizer poucas possibilidades de isso acontecer ou então É pequena a probabilidade de isso acontecer .

 

Probabilidade é um número que se atribui a uma possibilidade de um acontecimento. Quanto maior é o número (entre 0 e 1 ou equivalentemente entre 0% e 100%) mais certo é que que aconteça. Possibilidade é uma das maneiras com que determinado acontecimento pode ocorrer. Cada possibilidade tem uma probabilidade de acontecer. A soma das probabilidades de todas as possibilidades de um acontecimento aleatório é 1 (ou 100%). Como a probabilidade é um número não «há poucas probabilidades», porque isso é o mesmo que dizer «há poucos números» e os números são infinitos.

 

Em termos simples, a forma de calcular a probabilidade da possibilidade de um acontecimento aleatório envolve a determinação do número de vezes em que pode ocorrer essa possibilidade e também o número total de possibilidades do acontecimento em causa. Geralmente essas contagens são complicadas de fazer em acontecimentos do quotidiano, e com formas mais ou menos elaboradas. Mas se a contagem total for possível usa-se a Regra de Laplace : para calcular a probabilidade de uma possibilidade basta dividir o número de vezes que ocorre essa possibilidade (n.º de acontecimentos favoráveis) pelo número total de possibilidades do acontecimento (nº de acontecimentos possíveis).

E.g. Um saco contém 5 bolas: tem 2 bolas pretas e 3 bolas vermelhas .

Qual é a probabilidade de ao retirar, sem ver, uma bola do saco obter 1 vermelha?

Saco com 5 bolas Há aqui um acontecimento (retirar uma bola) com algumas possibilidades; O número de possibilidades de sair uma bola vermelha é 3; O número total de possibilidades é 5 bolas; A probabilidade é então 3 / 5 (que é 60%).

~ A probabilidade de obter cara quando se atira uma moeda ao ar é 1 / 2 = 50%. (Há uma cara na moeda, que tem 2 faces possíveis); No entanto é necessário cautela no cálculo de probabilidades. Só se pode calcular probabilidades em acontecimentos aleatórios (acontecimentos em que não intervenha uma escolha humana consciente ou inconsciente); Só se pode calcular probabilidades quando cada uma das possibilidades tem a mesma probabilidade de ocorrer (são equiprováveis); Se assim não fosse poderiam ocorrer as seguintes situações a que se atribui uma probabilidade errada:

~ Se ao retirar uma bola do saco com 2 bolas pretas e 3 vermelhas se se espreitar pode-se sempre retirar uma bola vermelha. Então a probabiliade seria assim de 100% e não de 60%;

~ No totoloto só há duas possibilidades: ganhar ou não ganhar. Então a probabilidade de ganhar o totoloto é 1/2 = 50% ? Não, porque as duas possibilidades não são equiprováveis (não ganhar é mais provável do que ganhar);

 

Infelizmente a probabilidade do uso incorrecto de «probabilidade» quando se devia usar «possibilidade» é cada vez maior!

 

«Os dados estão lançados», de «Alea» - Dados; «jacta» - lançar; «est» - 3.ª Pessoa do verbo «esse» - ser, como bem chamou a atenção «Buba» no comentário que aqui deixou.

~ Frase dita por Júlio César quando atravessou o rio Rubicão em direcção a Roma.

(Ver Ao contrário da crença popular (Julius) para saber porquê)



Publicado por Mauro Maia às 21:10
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De . a 9 de Agosto de 2009 às 12:21
Olá Mauro. Este exemplo dos dados intransitivos revelou-se-me particularmente surpreendente porque, no meu desconhecimento destas matérias, sempre imaginei as relações simples, concretas, objectivas e facilmente mensuráveis/quantificáveis (tais como "X é mais pesado do que Y", ou "X é mais veloz do que Y") como sendo transitivas. Estava ao corrente da existência de relações intransitivas, mas atribuía sempre esse facto à existência de algo de vago, complexo, subjectivo ou dificilmente quantificável na essência dessas relações. Por exemplo, o jogo de ténis é intransitivo, na medida em que é possível o jogador A vencer B, B vencer C e C vencer A. Não obstante as regras do jogo de ténis serem concretas e objectivas, uma partida de ténis é muito complexa. Trata-se de um confronto entre estilos de jogo, capacidades técnicas e condições físicas distintas. E é, acima de tudo, uma guerra de nervos, pelo que a condição psicológica é importantíssima. Cada um destes factores é, em si mesmo, bastante complexo, pelo que não surpreende - pensava eu - que o ténis exiba características de não-transitividade. Pois bem, estava completamente enganado nas causas, como o jogo de dados veio demonstrar. Nada há de complexo neste último exemplo. Não há, sequer, um factor humano que possa introduzir alguma subjectividade no jogo, pois podemos colocar os jogadores de parte e encarar o problema apenas em termos de confrontos entre pares de dados. É tudo muito simples e, no entanto, intransitivo! Eu nem queria acreditar no que lia :-)

Outro aspecto que me merece a pena destacar é a forma extremamente bem conseguida como Efron apresenta o problema. Consegue produzir consequências enormes a partir de algo que, à primeira vista, e para um incauto como eu, não passa de um mero pormenor técnico, uma reles minudência de matemáticos que dá pelo nome de propriedade transitiva. Repara: se os dados fossem transitivos, o jogador 1 venceria, pois teria a possibilidade de escolher sempre o melhor dado. Não sendo os dados transitivos, inverte-se o equilíbrio de forças e é o jogador 2 que, na possibilidade de escolher sempre o dado que supera o do adversário, passa à condição de vencedor. Resultados mais diferentes do que estes não há! E para passar da transitividade à não-transitividade basta, penso eu, alterar os valores de algumas, poucas, faces dos dados.

Estava para aqui a pensar se seria possível explorar um eventual carácter não-transitivo de uma relação espacial. Um espaço euclidiano infinito é transitivo, no sentido em que a relação “X encontra-se mais próximo do que Y” o é. Mas num espaço com curvatura positiva, finito mas ilimitado, como, por exemplo, o equivalente tridimensional de uma superfície esférica, as coisas já não são bem assim. A galáxia A poderia encontrar-se mais próxima do que a galáxia B. E esta poderia encontrar-se mais próxima do que a galáxia C. Mas esta, paradoxalmente, poderia encontrar-se mais próxima do que A, pois poder-se-ia, eventualmente, "dar a volta pelo outro lado do Universo", qual Fernão de Magalhães cósmico :-) Se pudéssemos, de alguma forma, controlar a transitividade do espaço, poderíamos viajar para longe em pouco tempo. E se, em vez de espaço, pensarmos em espaço-tempo, e em vez de distância, pensarmos em intervalo, talvez pudéssemos viajar no tempo "em pouco espaço", ou seja, quase sem sairmos do sítio, como sucedia com H. G. Wells e a sua máquina do tempo. E verificar a existência ou não daqueles paradoxos bem conhecidos, como o de matarmos os nossos próprios avós (salvos sejam, coitados), etc.

E pronto, por hoje chega de delírios. Acho que vou tomar as minhas gotinhas. Retribuo o teu abraço virtual, desejo-te boas férias (se for o caso) e renovo os votos de sucesso para o teu blog :-)


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